domingo, 19 de julho de 2015

excesso de diagnósticos de patologias sem critério

Entrevista com Maria Cristina Mantovanini

Educadora questiona o excesso de diagnósticos de patologias sem critério, reforça a obrigatoriedade do estágio supervisionado em Psicopedagogia e critica a imagem desgastada da profissão


Com o passar do tempo, a Psicopedagogia vem ganhando espaço na Educação. Dentro ou fora das instituições de ensino, educadores têm se debruçado sobre questões afins à aprendizagem e à afetividade, temas básicos da área. No entanto, a formação de muitos deles se mostra frágil e insuficiente, o que vem desgastando a credibilidade da profissão. A prática equivocada desses profissionais, além de não ajudar crianças e jovens a aprender, é marcada pelo hábito de diagnosticar distúrbios, como a dislexia. "Quem pode afirmar algo desse tipo são os médicos, que são habilitados para tal", afirma Maria Cristina Mantovanini, psicopedagoga com quase 30 anos de experiência. Para ela, não é problema os docentes buscarem esse conhecimento para aperfeiçoar a prática desde que estudem a teoria continuamente e respeitem os limites de atuação próprios da área. 

Historiadora, doutora em Psicologia Escolar pela Universidade de São Paulo (USP) e integrante da Sociedade Brasileira de Psicanálise (SBP), trabalhou em escolas por 14 anos. "Fui professora em diversos segmentos - da Educação Infantil à pós- graduação - e atuei como orientadora pedagógica. Conheço em profundidade o cotidiano do ambiente escolar, com o qual mantenho contato direto, o que é fundamental para atuar como psicopedagoga." 

Em entrevista a NOVA ESCOLA, Maria Cristina também fala sobre os grandes teóricos da área e convida à reflexão sobre o jeito normativo com que a aprendizagem tem sido encarada. 

O que é Psicopedagogia e qual a função desempenhada por quem segue a carreira?
MARIA CRISTINA 
É uma área do conhecimento que estuda questões ligadas à afetividade e à cognição e trabalha com elas. Pela escassez de produção acadêmica de qualidade sobre o tema, é difícil apresentar uma definição mais completa. Na escola, o profissional pode desempenhar duas funções. Uma é trabalhar diretamente com o corpo docente, abordando questões da dinâmica da sala de aula, da relação entre alunos e professores e, entre esses, o coordenador pedagógico e a família. Outra é atender no contraturno as crianças que estão apresentando algumas dificuldades em classe. 

No consultório, como é a atuação desse profissional?
MARIA CRISTINA 
Bem variada, mas sempre é necessário saber o objetivo do trabalho e focar as questões cognitiva e afetiva. É impossível separar uma da outra. Se a criança leva a lição de casa do dia para fazer lá, ele pode observar e analisar como ela lida com o desafio e de que forma se organiza e administra o tempo, por exemplo. Observando tudo isso, o profissional pode intervir, conversar, problematizar a situação. Também é interessante usar brinquedos e jogos, dentre eles os de raciocínio, como SenhaMancala e baralho, para avaliar como o aluno opera frente a problemas. Nos dias de hoje, é fundamental incluir a informática. Lanço mão de jogos virtuais, como o The Sims, cujo objetivo é governar uma cidade fictícia. 

Em atendimentos particulares, qual deve ser a relação entre o psicopedagogo e a escola?
MARIA CRISTINA 
Ele tem de conhecer a dinâmica da instituição e manter um contato estreito com a equipe docente. Para tanto, deve se reunir com o professor ou o coordenador ou manter com eles conversas por telefone ou e-mail. 

Estudar Psicopedagogia ajuda o educador a ensinar melhor?
MARIA CRISTINA 
Não necessariamente. É claro que ele pode buscar um curso sério para aprender sobre o assunto. Porém, para ser um bom professor, é preciso conhecer as didáticas específicas da disciplina que ensina e as teorias do desenvolvimento e da aprendizagem, além de estudar Jean Piaget (1896-1980), Lev Vygotsky (1896-1934) e Henri Wallon (1879-1962). Acredito que seja mais proveitoso para o docente estudar e trabalhar em parceria com colegas da escola e com o coordenador pedagógico, que deve orientá-lo sempre. 

Qual é a bibliografia básica da área de Psicopedagogia?
MARIA CRISTINA 
Piaget é o primeiro autor que recomendo. Mas estudá-lo não significa ler as obras dele uma vez e pronto. É preciso se dedicar aos textos a vida inteira. A temática, por si só, precisa estar em foco de modo contínuo porque a escola muda o tempo todo. Também considero importante ler os textos do austríaco Sigmund Freud (1856-1939) e do britânico Wilfred Bion(1897-1979). Dos teóricos contemporâneos, indico o italiano Antonio Imbasciati e a argentina Sara Pain. Vale lembrar que os argentinos são precursores na área e a apresentaram aos brasileiros. Diferentemente de nós, eles têm uma graduação específica sobre essa área do conhecimento. 

Apesar de recente no Brasil, a profissão está desgastada. Há profissionais com formação inadequada e práticas ineficazes. O que acha disso?
MARIA CRISTINA 
Infelizmente, eu poderia passar muito tempo listando outros problemas. Hoje, qualquer um diz que é psicopedagogo. As pessoas acham isso chique, como ser participante dereality show e modelo. Existem professores particulares e fonoaudiólogos que afirmam "também faço um trabalhinho de Psicopedagogia", assim, no diminutivo, como se fosse algo simples. Ficam inventando diferenciais. Para ser um bom profissional, é necessário estudar muito a fim de entender sobre afetividade, cognição e mundo inconsciente. Só assim é possível reunir a Psicologia e a Pedagogia. Isso aponta para outra questão problemática, a formação do profissional. Há poucas instituições de ensino sérias, que oferecem bons cursos. A formação do psicopedagogo carece de mudanças. Os programas têm de ser mais longos e prever a experiência clínica obrigatória. A dedicação só à teoria não basta. Estar na escola e contar com a orientação de alguém com mais experiência é fundamental. 

As escolas, em geral, reagem bem à intervenção de um psicopedagogo?
MARIA CRISTINA 
Nem sempre. Às vezes, o início do trabalho é difícil. A situação é contraditória: a escola está sobrecarregada - mas quando a ajuda chega reage com desconfiança e descrença. Por um lado, quem leciona tem um pouco de razão. O psicopedagogo é aquela pessoa que vem de fora para opinar, mas não vive o dia a dia da sala de aula. Então, ele precisa saber se aproximar e estabelecer uma relação de confiança, deixando claro que quer contribuir e sabe 

Acesso em 10/07/2015 http://revistaescola.abril.com.br/formacao/entrevista-maria-cristina-mantovanini-diagnosticos-doencas-psicopedagogia-693752.shtml

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